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Helder Florêncio

Empréstimos aos Participantes e Assistidos dos Fundos de Pensão


A legislação da Previdência Complementar (art. 9º, § 1º, da Lei Complementar 109/2001) estabelece que compete ao Conselho Monetário Nacional a fixação das diretrizes dos investimentos das entidades fechadas de previdência complementar (EFPC’s), também denominadas “fundos de pensão”. Tais diretrizes estão, atualmente, normatizadas na Resolução nº 3.792, de 2009 (com suas alterações posteriores).


A modalidade de “operações com participantes”, que engloba empréstimos e financiamentos imobiliários aos próprios associados do plano previdenciário, consiste numa importante modalidade de investimento dos fundos de pensão, dentre outras admitidas pelo Conselho Monetário Nacional - CMN, tendo em vista as suas características peculiares, dentre elas o fato de que, como regra, as prestações para a amortização do empréstimo são descontadas em folha de pagamento do patrocinador (no caso de participantes em atividade) ou da própria EFPC (no caso de participantes aposentados).


Outro atrativo desse tipo de aplicação, que pode envolver até 15% dos recursos do plano previdenciário, reside no seu retorno esperado, uma vez que a própria Resolução CMN 3.792/2009 condiciona a concessão do empréstimo à verificação de uma rentabilidade superior à taxa mínima atuarial ou ao índice de referência estabelecido na política de investimentos, conforme a modalidade do plano previdenciário (“benefício definido” ou “contribuição definida/variável”), além de necessariamente cobrir os custos para a administração das operações.


Na verdade, esse investimento é um bom negócio não somente para o fundo de pensão, como também para o próprio participante do plano de benefícios (mutuário), visto que as condições para a concessão do empréstimo são, em regra, bem mais favoráveis ao mutuário do que aquelas verificadas no sistema financeiro em geral. Assim, os empréstimos concedidos por EFPC’s costumam envolver juros substancialmente menores, prazo mais longo e dispensa de outras garantias, como aval de terceiros.


E isso é possível exatamente pelo baixo risco de crédito envolvido na operação, seja em face do já mencionado desconto das prestações em folha de pagamento, seja em face da garantia atribuída à operação do empréstimo, qual seja, a consignação da reserva de poupança do participante, nos termos determinados pela Resolução CMN 3.792/2009.


A esse respeito, é louvável o novo entendimento da Procuradoria Federal junto à PREVIC (Parecer nº 26/2015/PF-PREVIC/AGU, de 10.03.2015 e a Nota nº 15/2015/PF-PREVIC/PGF/AGU, de 20.03.2015), que registrou que, além do caso de opção pelo instituto do resgate, quando é possível a compensação do saldo devedor do empréstimo contraído pelo participante (mutuário) com sua reserva de poupança, o mesmo procedimento pode ser adotado para a hipótese de opção pelo instituto da portabilidade.


Nesse caso, o entendimento da Procuradoria pressupõe a compreensão de que a aludida compensação, em face da opção pelo instituto da portabilidade, não feriria alguns princípios da Lei Complementar 109/2001 (art. 15, inciso II e parágrafo único), quanto à configuração do direito acumulado do participante e à não verificação do trânsito dos recursos entre os participantes do plano previdenciário.


Esse novo entendimento da Procuradoria Federal junto à PREVIC trouxe, inequivocamente, maior segurança jurídica para as EFPC’s que realizam investimentos na modalidade de operações com participantes.


Há, porém, alguns aspectos relacionados à concessão de empréstimos por fundos de pensão que ainda merecem reflexão do Sistema de Previdência Complementar. A seguir, destacaremos os três que consideramos mais relevantes.


O primeiro deles se refere ao tratamento tributário dos valores objeto da compensação do saldo devedor do empréstimo com a reserva de poupança do participante, notadamente, na hipótese de opção pelo instituto da portabilidade. Logo, a fim de evitar riscos jurídicos desnecessários às EFPC’s, deve-se buscar junto aos órgãos públicos responsáveis uma clara definição quanto à retenção ou não de imposto de renda na mencionada hipótese.


O segundo aspecto relevante envolve o disposto no art. 23, § 1º, da Resolução CMN 3.792/2009, quanto ao montante objeto da garantia do empréstimo. Tal normativo impõe, conforme já mencionado, a consignação da “reserva de poupança”, reconhecida como o saldo resultante das contribuições individuais ao plano previdenciário, ou seja, aquelas aportadas somente pelos participantes.


A remissão à reserva de poupança se dá no contexto de sua aplicação a um plano de “benefício definido”, caracterizado pela solidariedade das reservas acumuladas (“capitalização coletiva”), o que é compreensível, tendo em vista que, nessa modalidade de plano, o saldo de contribuições patronais, como regra, somente se torna disponível ao participante quando da concessão do benefício previdenciário.


Ocorre que, em plano de contribuição definida, caracterizado pela individualização do saldo de conta do participante, tanto na acumulação das reservas como na fase de concessão do benefício, o saldo formado com as contribuições patronais (parcial ou totalmente, conforme o caso) se incorpora imediatamente ao saldo de conta atribuível ao participante para fazer frente às obrigações contratadas perante o plano previdenciário.


Dessa forma, seria desejável que a citada Resolução CMN fosse revista, de forma que, a depender do desenho do plano previdenciário (“BD” ou “CD”), o saldo de conta formado pelo aporte de contribuições patronais também pudesse ser objeto da consignação para a garantia do empréstimo.


Por fim, ainda quanto ao tema da garantia do empréstimo, também merece reflexão o rol de situações em que pode haver a utilização da reserva de poupança para fazer frente ao inadimplemento do empréstimo contratado (obviamente, nas situações em que não ocorra a amortização das prestações mediante desconto em folha de pagamento).


O alargamento das hipóteses admitidas para a utilização da garantia em tela resultaria na observância da finalidade previdenciária, tanto para o montante total dos recursos garantidores do plano de benefícios, mediante a mitigação mais efetiva do risco de crédito, como também para as reservas individuais objeto de consignação, visto que a manutenção da inadimplência poderia gerar uma corrosão ainda maior das reservas individuais a médio e longo prazos. Assim, a utilização da garantia da reserva de poupança em outras hipóteses, além daquelas já admitidas (resgate e portabilidade), parece conferir melhor aplicabilidade ao comando previsto no art. 23, § 1º, da Resolução CMN 3.792/2009, a respeito da consignação da reserva de poupança como garantia do empréstimo.


Caso haja a alteração do entendimento atual, parece-nos, no entanto, que seria necessário adequar os regulamentos dos planos previdenciários de modo a fazer constar as consequências para o benefício contratado que adviriam da utilização da garantia da reserva de poupança em outras situações (que não apenas a do resgate ou da portabilidade) em que a inadimplência tenha surgido após a cessação do vínculo empregatício ou outra hipótese que tenha excluído a amortização das prestações do empréstimo em folha de pagamento (exemplo: opção pelos institutos do autopatrocínio ou do benefício proporcional diferido).


Essas são algumas reflexões que julgamos oportunas para o aprimoramento da sistemática de concessão de empréstimos pelos fundos de pensão, a fim de conferir uma segurança jurídica ainda maior a essa importante modalidade de investimento.

 

Autor: Helder Florêncio

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